Um pedacinho de céu
Um desejo que eu sempre nutri. Aceso, embora sem grandes esperanças de realização breve. Realização breve: que estranho jeito de ver um sentimento tão meu, descrito diante dos olhos assim, de repente. Escrever, pra mim, tem dessas coisas: eu começo e nunca sei aonde a coisa vai parar, quais caminhos serão percorridos. Sou sempre, invariavelmente, surpreendida. Já nomeei de tantas formas essa sensação! “É como se o texto fosse autônomo”; “Parece magia!”; “Eu sei que vai acontecer, mas não sei o quê”; “Eu não pensei aquilo, não era ali que eu esperava chegar.”; “Foi o texto que me pediu essas palavras”.
E foi hoje, contemplando um recém conquistado pedacinho de céu, que me dei conta de quanto custa deixar-me escrever. Custa o risco de me enveredar por caminhos não escolhidos. Custa o risco da aventura, essa velha louca com a qual eu insisto em acreditar que rompi. Custa o risco de me perder e - o mais gravíssimo - de me encontrar.
Tenho fugido à tarefa das letras de formas inimagináveis. Corro o quanto posso, corro mais do que posso. Sinto tanto! Minhas mãos inquietas, o coração acelerado, a respiração que de repente parece falhar. Rompantes de ira, horas e horas petrificada diante das telas. Umas tantas lágrimas. Milhões de elocubrações, por vezes simultâneas, tentando encontrar um sentido. Racionalizando tudo. Questionando todas as escolhas, demovendo todos os alicerces da minha suposta capacidade.
Mas ora, como a vida prega peças! Não é de sentido, que se trata. Para construir qualquer coisa que se valha, é preciso colocar-se a trabalho. Fazer dos riscos, um projeto. Juntá-los, fazer resistir, permanecer de pé ainda que frágil.
Ainda que eu não tenha ideia do que dará consistência às paredes, meu momento de contemplação, naquele pedacinho de céu, me lembrou que “comparada às nuvens, a vida parece muito sólida, quase perene, praticamente eterna.”1 e que, enquanto vivo, posso ir modelando e assentando tijolos, sem pressa nem pretensão.
Alguma coisa vai sair. E não será definitivo. Que bom!
Footnotes
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Trecho do poema “Nuvens”, de Wislawa Szymborska. ↩
