Quatro colunas


por Aura, Midríase, Sentinela e Sola

Texto orgânico

Gestou-se em mim esse texto, com força e vagar. Gestou-se, como se de mim não precisasse. Sozinho foi fazendo suas meioses, letra a letra se ajuntando, avolumando-se em sílabas, palavras, orações. Ideias bem pontuadas, quase pontiagudas. Uma bicuda na costela!

Gestou-se em mim esse texto, estômago adentro. O texto, produto bruto, gestou-se de um amontoado de coisas dantes consumidas. Palavras engolidas, mastigadas ou não. Palavras por digerir. Sentenças mais ou menos decisivas. Fez o que pode daquilo que tinha à disposição, cavando com vigor as entranhas.

Ácido, um tanto indigesto, esse texto fez-se cada vez mais incômodo até que eu o gorfasse sobre a superfície alva de uma tela. Respingou tudo, fez o seu estrago. Um parto em tons de cinza e serifas. Saída inusitada.

Não se trata, agora, de materná-lo. Como independente gestou-se, independente seguirá seu rumo. Talvez acerte, aqui ou ali, algum desavisado em cheio, lembrando a força das palavras quando se juntam. Causando mal-estares e náuseas. Texto mal-criado.

Ou talvez siga apenas existindo, autossuficiente em sua satisfação declarativa já realizada. Texto bem-sustentado.

Gestou-se em mim um texto e, com sua partida, fica em mim o oco de um desejo absurdo de produzir, sem mais (me) reproduzir. Sem saber. Que a vida me -a-guarde!