SEM MEDIDAS
Desde que nasceu, gira ao redor das unidades de medida. De tão miúda que era, os pais ouviram do médico: — Não se esqueçam da fórmula, da vitamina, do suplemento. Uma bebê não pode pesar tão pouco! —. Aos seis anos, o mesmo pediatra, avisou: — Suspenda os doces, daqui uns dias ela estará gorda. Uma criança não pode pesar tanto! —. A avó, que pouco se parecia com as vovós dos filmes que enchem os netos de guloseimas, e com quem vivia em conflito, proferia uma sorte de palavras pesadas a cada desavença: — Com esse peso e esse cabelo escorrido, não irá arrumar um namorado —. Aos quinze, decidiu relegar o destino escrito. Comprou revistas com dicas de dieta. Consultou sites em que se divulgavam métodos sistematizados para enganar a fome. Ficou dias e dias sem comer. Perdeu peso, por fim. Custou a saúde, é verdade, mas sentia, com aqueles seis quilos perdidos - mas que pesavam muito mais do que poderia indicar o número na balança - que podia alcançar o mundo; vestir as roupas que gostava. Não era um capricho, apesar das revistas que ocupavam o seu quarto serem intituladas assim. O tempo passou. E mesmo com o peso perdido, sentia que carregava algo pesado. Talvez fosse o peso das pessoas apontarem que estava muito magra; mas ela não aceitava, afinal, havia se acostumado com todos apontando o seu sobrepeso. Foi nessa época que passou a esconder, vez ou outra um chocolate na bolsa. Escondia, pois uma pessoa magra não poderia desfrutar do luxo ou prazer de um doce. Era proibido comer o chocolate; era fácil sentir culpa por ingerir tanto açúcar e carboidrato. Sua lógica era: “já que sucumbiu ao ato de comprar, não faz mal comer tudo”. Fracassada que só, passou a medir cada e qualquer caloria ingerida; repartir e medir, em pedaços iguais, as refeições e espaços no prato. A balança, que tanto oscilava e fazia jus ao seu nome, apontava cada grama perdida. Ela era sua melhor e pior amiga. Definhava e expandia; vivia numa esfera, num ciclo, um vício. Sua vida passou a ser medida da mesma forma como pesava os alimentos. Ora intensidade, ora devastação; ora abstinência e punição, ora compulsão e indulgência pela comida. Tanta intimidade com as medidas levou ao estranhamento; transformou-se em uma vilã que ataca a si, logo ela, menina esperta, tão crítica e tão sabida, como escutou em um sermão após ser às pressas para um médico. Engoliu, dia desses, com amargor do legume que ingeriu, que não poderia curar o peso das palavras ouvidas quando criança. Soube que precisava de ajuda. Horas e horas, falando de si, naquele exercício egoísta deitada em seu divã virtual. Nutriu o corpo com o que precisava; o quanto precisava. Fez acordos contra arbitrariedades. Tomou outros caminhos e rotas; alguns, levaram ao ciclo anterior. Lutou, novamente, para sair. Viveu anos mais magra; outros mais gorda também. Sentiu beleza e repulsa, na mesma medida, em seus poros sob o olhar do outro. Comeu tantos outros chocolates, às espreitas e em companhia. Sentiu ainda hoje o mesmo peso que sentiu mesmo quando emagreceu.
Com a balança, régua e compasso em mãos, vamos medir:
Quanto pesa o fardo de ser uma mulher jovem no mercado de trabalho?
Qual o peso das palavras que você escreve?
Quantos amigos são suficientes para que sua vida seja feliz e plena?
Quanto de amor basta para sustentar uma relação?
Quantos quilômetros cabem em uma saudade?
Como mensurar uma ausência?
Como medir a urgência?
…
Vários pesos. Sem medidas.
