A gente nunca sabe em que momento vai esbarrar numa coisa decisiva, numa pessoa decisiva, numa desembocadura de uma grande transformação. A gente vai vivendo inadvertidamente. Abertos ou não, vamos percorrendo tempos e espaços e conhecendo mundo, gente, coisa, bicho e paisagem. Vamos desbravando caminhos. O correr da vida, que o poeta dizia que embrulha tudo, quase não deixa a gente perceber direito, mas estamos demarcando percursos. E de vez em quando é importante (e tão bom!) poder olhar pra eles com calma e nutrir o carinho!

Não tem tanto tempo (embora por vezes pareça que tem), tive um desses esbarrões decisivos. Tudo começou num encontro meio desajeitado: uma reunião duvidosa, razões meio tortas nos colocando ali, diante da possibilidade de um trabalho comum coletivo e temporário. Questões práticas e um tanto ideológicas. Problemas à vista e uma desconfiança no ar. Quem diria que dali poderia sair um laço duradouro e tão bonito?

Uma conjuntura de tempos e espaços. Alguns anos de formação em comum, uma vizinhança em comum, uma visão - de mundo e política - que foi se forjando em proximidade. Interferências mútuas. Trocas de referências. Descobertas, indignações e construções conjuntas. A partilha das angústias de um longo e doloroso processo histórico. O atravessamento do inacreditável. Um tempo de solidão compartilhado.

Várias horas partilhadas e quilômetros rodados depois, vejo que temos um caminho em comum. Um verdadeiro trajeto de afetos. Eu, olhando pela janela as paisagens, ouvindo do rádio e das vozes as ideias, pensando e pensando e sentindo um monte de coisas. Umas ditas, outras não. Ele, piloto apressadamente contido. Apresentador de possibilidades e de caminhos. Naturalizador de experiências pouco cotidianas e um entusiasta repentino de coisas e momentos pequenos. Gentil, provocador e generoso. Ouvinte atento. Ora fala, ora não.

Criei tantos afetos pelo caminho que hoje me emociono, enquanto tento juntar essas palavras, grata por pensar no que sinto e pela oportunidade de nutrir esse esbarrão tão vívido. Feliz em estar construindo um laço.

Caminhar neste mundo não é pouca coisa, há possíveis perigos por todos os lados. Mas é bom saber que, se for preciso, tem um piloto de fuga com quem contar.