Quatro colunas


por Aura, Midríase, Sentinela e Sola

Quod scripsi, scripsi.

Me dei a tarefa de pensar no que me sustenta. Qual coluna segura, em última (ou seria primeira?) instância, aquilo que sou. Ao menos o que chamo de eu, nesse presente instante. Quis encontrar a etimologia da palavra coluna. Dei um Google e alguns cliques depois estava lendo mitologias gregas. Aquelas tramas de deuses e seus filhos e seus ciúmes, vinganças, traições, amores e mortes. Esculturas, astronomia e a aura toda que a Grécia sempre me traz. Uma nostalgia de coisas que não vivi, uma vontade de ir tocar com as mãos aquelas pedras, colocar aquele ar nos meus puulmões, como que reconhecendo que ali um punhado de coisas que me transformaram definitivamente tiveram seu berço. Migrei de janela e já estava lendo sobre Cuba. Quis saber preços de passagens e hotéis. Cheguei a me imaginar caminhando por Havana, talvez buscando os traços vivos da utopia. Olhei para o lado, num sorriso de quem de repente se percebe a tola dentre as tolas, e vi a gata que dormia. Lembrei que queria entender melhor sobre os seus cuidados e logo me perdi em tutoriais de comida caseira para pets, DIY para gatificar a casa e vídeos fofinhos daqueles que nos mantém horas e horas hipnotizados. Saída do transe, resolvi olhar à janela real, a chuva fina me lembrando que é dezembro e que quase já não há 2022. Num suspiro, rápidos flashes de tanta coisa acontecida num único ano. Ano de eleições, copa do mundo, pandemia infinita, processo seletivo, muito trabalho e muito amor e parceria. Nem pensei em metas cumpridas ou a cumprir e ri por ter pensado que não as pensei. Reparei mais uma vez na placa de “rua sem saída” que fica aqui bem à frente e que me chama o olhar todas as vezes. Ainda não consegui pensar o suficiente a respeito. Mais uma dessas tarefas de vida, buscar entender porque algo martela tanto na minha cabeça. Passeei os dedos pela capa do livro que escolhi ler no final do ano. Saramago, rindo de todos nós, escreveu que “o espelho e os sonhos são coisas semelhantes, é como a imagem do homem diante de si próprio”. Só os próprios olhos veem àquela perspectiva. Eu li, me maravilhei por um instante, pensei nos sonhos vívidos que tenho tido nas últimas noites. Em breve restará apenas o afeto pela história do livro, assim como amanheço sem me lembrar dos detalhes do sonho. As palavras, no fim, não ficam tão retidas assim. Ao menos a maioria delas. Ora, as palavras! Me dei a tarefa de pensar no que me sustenta porque precisava escrever uma coluna. Passou-se uma manhã e a tarefa, pairando, fez-se dentro de mim sem que eu me apercebesse, até agora. Está feita, a coluna, porque o que sustenta a tudo e também a mim, que pouco sou desse tanto de mundo, nada mais é senão o tempo. Vou ter de cair no velho clichê (tenho aprendido a não me ocupar tanto de me desvencilhar deles) de dizer que não somos, apenas estamos. Tudo o que vejo, toco, sinto ou penso só está ao meu alcance por partilhar comigo um tempo-espaço. Se é agora, se é dezembro, se é hora de finalizar para recomeçar, que assim se faça: eis a coluna!