quatro da tarde
Amo o aspecto que o dia assume por volta das quatro da tarde, neste interior do hemisfério sul do mundo. O dourado do sol angulado, formando as primeiras longas sombras que dão um volume complexo nas árvores, casas e coisas da paisagem. O colorido sempre inédito das nuvens. Os sons meio calmos, meio agitados que a cidade meio pequena faz. Uns tantos pássaros ao longe, como que conversando, tagarelas. Um ou outro carro. Uma moto barulhenta arrebentando a calma. Uma ou outra pessoa arrastando sapatos sem tanta pressa. Talvez falando ao telefone. Um cachorro aqui, um grito de criança ali. Tudo parece quase. Já é tarde para este dia, mas ainda tão cedo para a noite! Aguço os olhos, os ouvidos, deixo arrepiar a pele. Calo. É tempo de sentir. Às vezes, sinto que estou vivendo as quatro da tarde da vida. Esses vinte-quase-trinta, algumas escolhas importantes já feitas. Podem não ser definitivas, mas estão aqui, bem colocadas. Uma contemplação do caminho que percorri. Feliz. Um momento de pausa, ainda que cheio de afazeres. Tempo de plantio e colheita simultâneos. Acho bonito, mas sinto que me antecipo. Como se essa calma não pudesse chegar tão logo, nem durar tanto. Como se eu estivesse me esquecendo de alguma pendência.
Aí me lembro que a vida é sempre de repente e por enquanto. Por enquanto, vivo. Posso apreciar à janela a tarde findando e sentir e pensar tanta coisa. De repente, tudo pode mudar. E pode ser catastrófico, mas pode ser bom.
— É vário!
— Também quero ser.
