Quatro colunas


por Aura, Midríase, Sentinela e Sola

Promessa íntima

Foi a primeira vez que fiz fogo. Eu, tão pacífica. Tão avessa ao aquecimento do clima. Tantas vezes lida como fria. Eu, arquiteta de um espaço meticulosamente construído, resguardado por tanto tempo, envolvendo um núcleo que sempre tomei como secreto, sabendo sem saber que se tratava de algo precioso. Um lume muito meu.

Me atrevi à experiência de provocar o fogo, valendo-me de observações anteriores. Todo um arcabouço de imagens quase ancestrais, colhidas ao longo de todos os meus anos. Eu, observadora e atenta a tudo quanto fosse possível aprender, desde sempre. Detalhes, trejeitos, relações, silêncios e ausências. Uma colecionadora.

Reuni os materiais que julguei necessários e decidi que provaria sozinha aquele momento. Sem alarde, sem muito preparo: conduzi um manuseio ligeiro das ferramentas, sem muito pensar. Algo me dizia, ainda que àquele momento não fosse claro, que um instinto vivo me acudiria na hora. Aquele mesmo que avivou em algum ponto passado da história, a primeira pessoa. Um domínio-fascínio. A descoberta momentânea do núcleo.

Fez-se a chama e, com ela, um largo sorriso. Uma imediata intimidade. O som crepitante, a força da luz que, encarada tão de perto e tão fixamente, cegou-me por instantes. Ninguém sabia, mas ali eu estava irrompendo um sagrado.

Foto de uma chama acessa.