Paralelos e meridianos
Eu me lembro bem de um momento, ainda criança, em que me deparei com um mapa-mundi meio quadriculado, fixado na parede da sala de aula. Os tons de azul-claro, verde-bandeira e branco-gelo, preenchendo aquelas manchas irregulares e demarcando terras e águas e gelo, já eram bem reconhecíveis. Aquelas linhas todas, porém, umas retíssimas e outras levemente hiperbólicas (aquela criança se orgulharia se pudesse saber que hoje consegue alocar bem essa palavra numa frase), representavam uma estranha novidade. Logo chega a professora, o dia letivo começa e tudo muda quando, ao final, saio daquele antigo prédio conhecedora de uma realidade nova: havia linhas imaginárias demarcando os espaços do mundo. Nomeando matematicamente pontos que poderiam fornecer localizações precisas, num sistema pretensamente universal.
Um pensamento brutal me assalta: Não há como me se esconder!
Eis uma das ideias mais radicais a que já tive acesso: o mundo físico é marcado, bordeado e por que não? determinado, por uma generosa porção de fantasia!
Extrai dessa lição um jeito que sempre tive como muito meu de tentar conhecer o mundo e, sobretudo, as pessoas. Estando onde quer que esteja, faço um constante esforço de observação, em busca das linhas imaginárias que tecem, sustentam e/ou dão sentidos àquilo que vejo. Os fios das marionetes. As entrelinhas. O contexto histórico. A criação. Os gestos, olhares, entonações. Aquilo que as palavras revelam e escondem ao mesmo tempo. A trama.
Vou gastando o que posso de tempo e esforço em tentar ligar alguns pontos. Ora buscando o menor trajeto possível, ora fazendo propositais curvaturas que possam embelezar o percurso. Criadas as conexões, vou produzindo narrativas fantásticas, nas quais eu quase sempre acredito. Nesse exercício cotidiano, vou apurando a capacidade de olhar, cada vez mais atenta aos detalhes.
Nesse jogo, insisto em tentar passar despercebida, como que para não interferir na pureza da verdade. Como se o ato de ler não criasse sentidos que modificam as coisas. Entrando em profunda contradição com a parte tão minha que se apegou ao ensinamento depreendido dos mapas.
No fundo, tudo não passa de uma tentativa possível de me localizar.
