O peso do pássaro vivo
— Não sei te explicar isso, liga para ele e pergunta!
A cada toque no teclado do telefone, é como fosse o toque no próprio corpo. Um cutucão, uma chamada de atenção, uma parte de tempo em dois, três bipes. Atendia, escutava meu constrangimento por ousar precisar de algo:
— Você está ocupado? Tenho uma lição de matemática que não estou conseguindo
fazer.
— Pode falar!
Essa permissão de falar, aos meus ouvidos, sempre teve uma função fática. Talvez ele quisesse que realmente falasse. Quatro, cinco números para lá e para cá:
— Você está precisando de mais alguma coisa?
Precisar de mais alguma coisa? Após tanto que já fez! No entanto, a oferta de algo a mais a dar existia o tempo todo, seja alegre ou neutro. Nunca um transtorno! Está tudo bem!
— Como foi a escola hoje?
— Tudo certo.
Esses silêncios que ficaram pelo caminho poderiam ter sido preenchidos com tanta coisa. Poderia ter te cutucado mais, discado mais, falado mais, afrontado mais, duvidado mais. Essa vida que existia poderia ter sido melhor aproveitada do melhor jeito que há: vivendo-a.
morreu
minha mãe recebeu a ligação numa tarde, manhã
não lembro mais
olhei para o telefone, o qual nunca mais cutucaria da mesma forma
estava no canto do quarto escuro, ao lado do cômodo em que minha mãe gritava
de luto
luto com o Chão, ameaço o Chão com um olhar penetrante
como se fosse ele com quem eu deveria
Reagir
brigar, gritar, falar, cutucar
mas essa tristeza incólume, o tudo contido, o choro ardente na garganta
estava reservado para outros momentos, outros dias, para aqueles dias em que
pensaria sobre sua vida
e como a aproveitei Mal,
(a Maldade me manda lembranças).
A cada dois dias, íamos ao hospital para visitá-lo. O clima do carro possuía aquela esperança minuciosa, momentânea, com explicações na mesma velocidade dos acontecimentos relatados pelo médico. Um dia, um médico, outro dia, uma médica, mais outro, um após o outro… No mesmo carro, minha tarefa era o silêncio e a esperança descomprometida. Sabem como é: se falar, pode afetar o alinhamento das borboletas históricas, do destino, e tudo pode desandar. O controle do rádio era meu: “Casimir Pulaski Day”, do Sufjan Stevens, por ler de alguém em um fórum na internet que essa música era a mais depressiva já escrita. Ao meio da discussão esperançosa daquelas pessoas, escutava essa música.
cheguei no cursinho, como qualquer dia Normal e olhei para a colega
de fazer as tarefas do livro de matemática:
“quando uma pessoa morre, é para apagar o contato dela do celular?”
ela afirmou com a cabeça
