Nada de colo
Irmanavam-se pelo sofrimento, estas pessoas. Leais nas lágrimas, reconheciam nos olhos uma da outra o silêncio solene de quem pede alento enquanto se conforma com a ignorância ao redor.
”Não é mesmo possível que saibam, estes outros, onde é que dói.”
Acolhiam-se. Ofereciam o que não tinham, mas sabiam que era preciso. Um presente mútuo, entregue desajeitadamente.
”As angústias acumulam-se mesmo, as coisas são assim na cabeça da gente.”
Nenhuma novidade, nenhum conforto, mas um enunciado que supõe um ouvinte. Uma permissão para sentir.
Embora parecessem misteriosos, aqueles movimentos mentais e um tanto afetivos que lhes tiravam a paz eram também muito naturais, facilmente reconhecíveis. Só não eram memoráveis, porque não podiam ser. Uma relação de limites impunha o esquecimento. Entre o costume e a vontade, entre a obrigação e a necessidade. Um meio de caminho com muita coisa misturada, de trânsito muito difícil.
”Faz parte de ser pessoa, a dor. É preciso criar mais força, engrossar a casca e constantemente alimentar o espírito com muitos padres-nossos e ave-marias. Do céu vem o socorro, num dia há de vir.”
Algo de inominável, forçosamente transmitido pelo gesto, o olhar, o ombro disponível. Nada de colo. Um esforço vital.
Saber da ferida e oferecer o remédio que arde, evita o sangramento, mas não cura. Insistir até descrer da cura para ter a graça de surpreender-se quando ela chegar, ainda que em sonho.
Enquanto esperam sem esperanças, seguem secando as lágrimas nos punhos rotos, insistindo em sorrir das misérias e fazer piada do que resta de laço.
Nunca presenciei dignidade humana maior.
