Mecanicamente sentido|
Escrever a metamorfose. Sustentar o peso das horas. As que passaram, as que virão. As horas que marcam os dias e que irreversivelmente passam. Por nós e conosco, nunca apesar de nós. Não somos indiferentes para o tempo. Nós o fundamos, nós é que lhe damos carne e consistência.
Eu acho uma graça tremenda da forma como a vida se aproveita da gente. Essa fragilidade toda que nos impõe, enquanto cobra que pensemos. Que a gente tente se haver diante da eternidade, que a gente consiga alcançar essas alturas e profundidades todas que não cabem na gente, porque não cabem em lugar nenhum. Porque não se trata de caber, nem de contar ou conter. É movimento, a existência.
Eu tenho querido muito não pensar. Mas sabe o que é que eu faço disso? Pois é, eu penso. Fico confabulando como seria, se eu alcançasse isso que já sei inalcançável. Bicho bobo, essa coisa de gente.
Há tempos eu não dialogava comigo, mediada assim pelo papel. Não sabia direito o tamanho da falta que fazia. Que curiosa liberdade quase esquecida, essa de me deixar levar pelas letras, pela falta de contexto, sem saber onde chegar. Será que um dia virá em que essa chama toda de liberdade que se anuncia a mim, vai enfim se enunciar?
Eu não tenho palavras. As palavras também não me têm, posso enfim registrar. Ter não é deste campo. Eu e as palavras, relacionamento antigo, de salvação. Um caso de sustentação mútua.
Abrir mão do sentido, para que possa sentir. Trocadilho gasto, mas sempre prenhe.
Sentido, significado, simbólico. Três manifestações unidas pelo “s” inicial. Este, que marca o plural. S deveria ser a letra do humano. Ora, lá vem o SUJEITO! Gracinhas de um saber não sabido, que corre solto agora, ao som mecânico e analógico destas teclas ilógicas.
P.S.: texto originalmente batido à máquina.
