Fidelitas
Ressuscitei uns fantasmas do passado.
Olhar para eles me causa náuseas. É um instante de temor, frio e solitário, em que me confronto com o abismo da minha fidelidade.
Precisei de muito tempo e empenho até finalmente perceber a cegueira da minha entrega. Sou alvo fácil aos ideais. Olho para os fatos e sinto pena e vergonha do que já fui. Sinto que preciso estar vigilante, porque de certo modo ainda o sou. [Só que estou advertida. E é bom saber que isso muda um pouco as coisas.]
Ainda sou aquela que por vezes não olha para os lados e atravessa a rua de olhos fixos, com a crença inabalável de que o cumprimento do destino assegura a trajetória. Cega, surda e muita vezes muda. Perplexa e absolutamente crente.
Ainda sou aquela que arrasta consigo, em nome de outros, uns tantos fiéis. Que usa o que tem e forja o que falta, em favor da causa que movimente afetos. A causa convincente. O sentido sujacente, que se encaixa tão bem! [Há, aqui, avanços a serem feitos, reconheço.]
Ainda sou aquela cujos afetos mobilizam tudo. E disso talvez eu me orgulhe.
Deixo que os fantasmas me assombrem, espontaneamente os procuro. Não é de medo que sofro, agora. É de um humor oscilante e asfixiante. Uma satisfação esquisita em vislumbrar um passado ainda presente em ondas de memória, afeto e dor. Saber que há uma distância, em tempo, espaço, experiências. Saber que os caminhos que escolhi me levaram para uma volta a mais. Decidida e decisiva.
Escolher com cautela sempre foi o objetivo primeiro. Mas acho graça de perceber que as escolhas meio impulsivas foram as mais importantes.
Olho para tudo isso, rio de canto, me retiro para voltar a viver.
Volto em breve.
Provavelmente amanhã.
Talvez nunca mais.
