Conversações
Trocou de roupa duas vezes; entre o vestido preto e o conjunto bege - optou pela segunda opção. Salto nos pés, batom marcante. O descompasso interior e latente completou a produção. Os requintes de futilidade pareciam borrar as fronteiras daquela situação. Durante o caminho, ignorou as vozes conflitantes das pessoas no carro: falavam ao mesmo tempo; enchiam balões e copos, comentavam sobre o clima, mas a chuva não parecia antídoto para o calor. Sentiu-se quase febril. Uma orquestra perfeita de acontecimentos felizes; o fechamento de um ciclo, aquela aura de comemoração ao redor dos seus. O ciclo fechou. A mudança estava feita. O que fazia ali, de novo? Inquieta, girou o cordão que abraçava o seu pescoço naquele mesmo movimento que tanto irritava quando estavam juntos. O suor nas mãos entregava a expectativa daquele encontro premeditado, confirmado. A mente, já desfigurada, viajava para outros territórios, outras possibilidades.
Ao chegar no local, fez questão de realizar uma varredura com os olhos, pois precisava captar cada movimento, cada menção daquela presença. Tentou ficar ali, no ambiente externo, numa tentativa para prolongar a distância; mas, quando não haviam mais desculpas, entrou. Respirou, uma, duas, três vezes, tal como todas aquelas técnicas vazias que aprendeu um dia. Precisava dar certo. Entrou no local carregando todos aqueles adornos preparados com carinho, afinal era para isso que estava lá. Riu de alguma besteira que um amigo disse e naquela pequena fração de segundo - conseguiu esquecer o medo de estar ali. Um, dois, três passos firmes em direção às cadeiras escolhidas pelo grupo - nem tão perto, nem tão longe. A distância perfeita traduzida naquele espaço-tempo. Viu sua mente desprotegida do ataque, quando, de repente um esbarrão - daquele que chacoalha, bagunça, desorganiza. Pronta para pedir desculpas ao desconhecido que fosse - lentamente, sentiu a mão que envolveu seu pulso, queimar. Uma exclamação silenciosa foi tudo o que conseguiu expressar no momento. Não era um desconhecido, pelo contrário. Ignoraram os outros, exatamente como ele havia ensinado: olhe apenas para mim. Os olhos perdidos se encontraram, por fim. Um, dois, três segundos. Um desvio. Ambos realizam aquele mesmo movimento tão habitual: procurar pela presença de outras pessoas. Diferente de outras vezes, apenas uma das partes estava acompanhada naquele dia. O olhar firmou sob o garoto esguio que a acompanhava, antes de sorrir como quem ensaia uma conversa. Precisavam conversar; ela para falar de sua última viagem, sobre os sorrisos da cidade, a expectativa e todas as lembranças não vividas. Ele, como sempre, preferiu dizer sem falar. Nada foi dito. Nada fazia sentido. Quis o voltar ao tempo; mas soube que ele era o imperativo para que aquele encontro não acontecesse, ou acontecesse ali, daquela forma. Um, dois, três chamados pelo seu nome e o olhar como quem diz: deixe-me ir. Ele tão acostumado a isso, deixou. Não sem antes envolver seu corpo num abraço desengonçado, pegando-a desprevenida. Tudo foi sentido. Tudo foi dito. Saiu do abraço sentindo, à flor da pele, cada marca e cada linha daquela história não escrita. Ouviu murmúrios das pessoas ao seu redor questionando a situação. Desconversou. Precisou retomar a atenção para o motivo de estar ali. Uma despedida. Fechar ciclos. Sorriu, brincou, fez tudo isso. Vez ou outra olhava fixamente para frente, encontrando-o. Vez ou outra, se encontravam, mas logo se perdiam novamente. Uma, duas, três… e contando. Até hoje.
