Quatro colunas


por Aura, Midríase, Sentinela e Sola

Aquela coisa que dá uma coisa gostosa

Calor demais me incomoda. Suor. Alergia. Assaduras. Pele com manchas estranhas. Abafamento. E com certeza outras coisas que agora não fiz tanto esforço de lembrar, por estar sentindo muito calor. Mas não posso negar como é gostoso ver as ruas, os bares e pracinhas mais movimentados no inicinho da noite. Uma sensação de vida acontecendo. A conversa fiada na beira da calçada (a depender da cidade). As janelas das casas também ficam mais abertas (Isso me fez lembrar de mais um dos itens negativos: pernilongos e insetos no geral). As janelas abertas também me fazem lembrar de uma outra boa sensação, que não é específica do verão, mas é na mesma linha: adoro olhar para as janelas acesas dos prédios. Mais uma sensação de vida. Isso me causa sentimentos ambíguos, na verdade. É gostoso ver que há vida ali, mas também há um estranhamento. Talvez uma questão narcísica, ao pensar que há várias vidas acontecendo naquele mesmo segundo (e nem estou falando de multiversos, rs, ou será que também se trata disso?). Gosto de imaginar histórias para o que há fora do meu campo de visão. É uma sensação que não sei muito explicar, talvez um pouco melancólica, mas me traz essa sensação de vida. Às vezes até me emociono, com aqueles breves segundos que olho para a janela e percebo as luzes da TV se alternando, às vezes, pela rapidez da alternância, até aposto em um filme de ação. Rs Esse é um dos momentos que fico brava comigo mesma por não ser escritora, porque tenho a sensação das boas histórias ou contos ou crônicas que poderiam ser escritos, mas que sei que nunca escreverei. O mesmo acontece quando alguma mancha na parede, por exemplo, parece um rosto ou alguma outra coisa que a imaginação cria. Fico brava comigo mesma por não conseguir reproduzir em desenho ou pintura aquela coisa que me despertou de algum modo. Talvez sejam aquelas coisas individuais, que só nossos sentidos podem perceber daquele modo e a experiência é aquela ali e pronto. O registro fica só na memória, pra gente se deliciar (ou não). Mas já percebi que tenho mania de querer possibilitar a possibilidade. Rs Não quero obrigar ninguém a nada e sei que não posso garantir que outros tenham aquela experiência, até porque nem é possível, por ser algo particular. Tudo, na verdade, até o compartilhado é algo particular, ainda que se tente dizer sobre, pois ninguém pode ser o outro. KKK O que estou tentando falar é que sempre que vivo algo bom, dessa ordem, por exemplo, eu penso como é possível possibilitar que outros tenham ao menos a chance de experimentar aquilo. Ainda uma questão narcísica, ainda que possa parecer para muitos que não. Também penso isso para minha própria vida. Se existem inúmeras coisas boas (hoje tô coisada), quero poder experimentar essas coisas, se eu quiser. De algum modo, dentro do que depende de mim, percebo que é algo que me movimenta bastante. Ainda que com muito cálculo neurótico (espero que não dê pedra), fico feliz por perceber que me movimento bastante. Ah, tem também aquela sensação gostosa de dirigir na estrada. Interessante ter escrito dirigir, porque não é necessariamente estar no volante, se trata de percorrer a estrada (com aquela musiquinha gostosa, então…). Mas acho que esse texto surgir agora tenha a ver justamente com assumir a direção, ainda que com todos os riscos, desvios e imprevistos da estrada (e do trânsito!!), reais ou da minha criativa imaginação. Viver apesar da morte? Viver por causa da morte? Não sei. Ainda que tenho andado um pouco aflita, ansiosa, um pouco triste (?), tenho estado feliz de conseguir me perceber viva. Hoje tô com uma sensação gostosa e fico também feliz por poder (tentar) falar dela.

Ps.: Que calor, hein?!

Ouça: Aquela música gostosa (mais um caso de ficar brava comigo mesma por não conseguir compô-la, mas ouça Aquela música gostosa, ainda que só você a escute)