Quatro colunas


por Aura, Midríase, Sentinela e Sola

29 de junho de 1999

— Ela morreu. — Disse ele, em alto e bom som. Foi assim mesmo. Sem rodeios, sem hesitar. Nenhum conto sobre estrelinhas, papai do céu, o escambau. Era a morte, sem mistérios, crua e materializada pela voz que passeia, há exatos vinte e três anos, por essa mente inquieta.

Cena I
A criança, sentada no balanço, ao ouvir a voz, sentiu que seus pés não mais tocavam o chão do parque. Fitou as familiares pedrinhas coloridas que, de repente, pareciam perder a cor. Segurou, com ainda mais força, as cordas do brinquedo e pendeu o corpo para trás, numa tentativa falha de suspender aquela realidade dolorosa. Respirou fundo. A pequena princesa, tal como era chamada, sentiu naquela fração de segundos em que processava aquela blasfêmia, que o seu castelo desmoronava. Irônica e sutilmente, era o primeiro encontro da menina com um fim - de tantos pela frente. Antes de descer do seu trono cintilante, fechou os olhinhos, agora pesados. Visualizou, maravilhada, todas possibilidades que a vida lhe reservara, e dissolveu, por um segundo, o temido significado da morte. Por fim, o choro que soava gritado tomou conta do parque. Aquele não era mais o melhor lugar do mundo.

Cena II
Não! — A violência ultrajante daquela notícia corrompeu qualquer célula que ousou se rebelar. Sob as lentes da perda, enxergou um terreno arrasado, quebrado, perdido. E, como quem devolve na mesma moeda, com a força do verbo, logo ofereceu uma bofetada de mão cheia no rosto do anunciante, como se materializasse tamanha dor que sentia. Não soube dar um nome para o vazio, por isso, continuou a entoar “nãos”, repetidamente. Travou uma batalha, anunciadamente perdida, contra as gotas de lágrimas que faziam morada em seu rosto. A negação, traduzida naquele punhado de água salgada em sua face, reformatou as grandes certezas que a pequena sustentava até aquela tarde insossa. Sua única angústia, até ali, era esperar pela hora de chegada de um dos pais. Viveu, três anos plenos em uma redoma de amor e cuidado. Cheia de vontades, diga-se de passagem, realizadas. O sonho cor-de-rosa, a filha planejada, mesmo sendo fruto da união caótica que a concebeu. Era intocável, como bem notou, anos mais tarde, seu dito primeiro amor da adolescência (tema para um próximo texto). Descobriu, contudo, que nada disso lhe poupava a dor que dilacerava o coração pequenino.

Cena III
— Eu quero ver a minha mamãe —. Pediu, por fim, a voz chorosa, entre um soluço e outro. Pouco sabia sobre a vida, mas, naquele momento precisou aprender sobre a morte; o pai, anunciante, pacientemente, explicou que a mãe não voltaria. Mesmo egoísta, a princesa destronada, permitiu, por ora, aceitar o peso que aquela palavra carregava e que sugava seu corpo e pensamento. Por fim, limpou o rosto, esfregando, impaciente, os olhos com as mãos, querendo retirar qualquer vestígio de choro. Abraçou o pai, em busca de alento, mas sentiu que faltava algo, alguém. Talvez não soubesse ainda lidar com o gosto amargo da finitude da vida, embora, algo naquela cena, alarmava que ela sabia muito bem o que significava.